O grande Líder camarada Kim Il Sung ensinou:
"Nós consideramos a paz como algo extremamente precioso e não desejamos a guerra, mas, se alguém violar nossa soberania e tentar nos subjugar pela força, também não poderemos deixar de exercer nosso direito à autodefesa e responder pela força." (Obras Completas de Kim Il Sung, vol. 404, p. 284)
O direito à autodefesa previsto no Artigo 51 da Carta da ONU não é um privilégio concedido exclusivamente a determinados países, mas um princípio universal possuído por todos os Estados que compõem a comunidade internacional. Não desejamos a guerra, mas, se alguém violar nossa soberania e tentar nos subjugar pela força, não poderemos deixar de exercer sem hesitação o direito à autodefesa, reconhecido universalmente pelo direito internacional, e responder pela força.
O Artigo 51 da Carta da ONU é a primeira norma internacional escrita que regulamenta o direito à autodefesa no âmbito do direito internacional, tendo grande importância para analisar e avaliar as relações reais de conflito armado entre Estados. No entanto, na norma do Artigo 51 da Carta da ONU estão inerentes certas questões jurídicas ambíguas que podem causar confusão interpretativa. A partir disso, na arena internacional difundem-se amplamente diversas teorias distorcidas sobre a autodefesa — como a teoria da autodefesa preventiva e a teoria da autodefesa por “intenção ou incapacidade” — que são utilizadas para justificar interferências militares contra outros países e dificultam o estabelecimento de uma visão precisa sobre o direito à autodefesa no âmbito do direito internacional.
Este artigo foi elaborado com o objetivo de permitir uma compreensão mais precisa do direito à autodefesa, que é um direito legítimo no âmbito do direito internacional, analisando e avaliando as questões documentais inerentes ao Artigo 51 da Carta da ONU, diante da realidade em que alguns países e juristas internacionais distorcem o significado e o conteúdo próprios do direito à autodefesa previsto no Artigo 51 e o interpretam e aplicam arbitrariamente.
O estudo estabelece como principais questões a analisar: o contexto da adoção do Artigo 51 da Carta da ONU e sua relação com o direito à autodefesa no direito consuetudinário internacional, bem como os problemas presentes em seu conteúdo normativo. A análise foi realizada sob os pontos de vista jurídico e prático.
Para a elaboração deste artigo, foram analisadas diversas obras e artigos acadêmicos nacionais sobre o Artigo 51 da Carta da ONU e sobre o direito à autodefesa, além de opiniões acadêmicas de juristas internacionais e materiais factuais estrangeiros.
2. Desenvolvimento
2.1. O contexto da adoção do Artigo 51 da Carta da ONU e sua relação com o direito à autodefesa no direito consuetudinário internacional
Compreender historicamente e de forma principiológica o contexto da adoção do Artigo 51 da Carta da ONU e sua relação com o direito à autodefesa no direito consuetudinário internacional constitui uma questão essencial para reconhecer corretamente o Artigo 51. Isso está relacionado ao fato de que a correta compreensão do contexto de adoção do Artigo 51 da Carta da ONU e de sua relação com o direito à autodefesa no direito consuetudinário internacional permite reconhecer de forma adequada o propósito e o espírito deste artigo, a posição da norma de autodefesa dentro da Carta da ONU, e, com base nisso, identificar com precisão os problemas inerentes ao artigo.
2.1.1. O contexto da adoção do Artigo 51 da Carta da ONU
O direito à autodefesa é o direito de um Estado repelir pela força um ataque armado realizado por outro país, estando estreitamente vinculado à questão da proibição da guerra. Por isso, no direito internacional, a questão da autodefesa tem sido tratada principalmente em conjunto com o tema da proibição do uso da força.
Historicamente, a guerra como meio de resolver disputas internacionais foi claramente proibida pela primeira vez após a Primeira Guerra Mundial, com o Tratado de Renúncia à Guerra como Instrumento de Política Nacional, adotado em 27 de agosto de 1928 (conhecido também como Pacto Briand-Kellogg).
O tratado é composto por dois artigos: o Artigo 1 condena a solução de disputas internacionais por meio da guerra e declara solenemente a renúncia ao uso da guerra como instrumento de política nacional; o Artigo 2 compromete os Estados a não recorrerem a nenhum método que não seja a solução pacífica para resolver disputas ou conflitos entre países.
Como se vê, o Pacto Briand-Kellogg proibiu a guerra como meio de solucionar disputas internacionais, mas não estabeleceu disposições sobre o direito à autodefesa diante de agressões. Isso se deve ao fato de alguns Estados signatários terem emitido reservas sobre o direito à autodefesa através de notas diplomáticas antes da assinatura do tratado.
Embora o Pacto Briand-Kellogg não tenha regulamentado expressamente o direito à autodefesa, este continuou sendo reconhecido no direito consuetudinário internacional como um direito inerente do Estado.
No projeto preliminar da Carta da ONU, elaborado entre agosto e outubro de 1944 na Conferência de Dumbarton Oaks, em Washington, e revisado posteriormente na Conferência de Ialta, em fevereiro de 1945, ficou estabelecida a proibição do uso da força, mas a questão da autodefesa ainda não foi mencionada.
A inclusão do direito à autodefesa na Carta da ONU foi tratada pela primeira vez durante a Conferência de São Francisco, realizada entre abril e junho de 1945, no contexto do debate sobre a relação entre sistemas de segurança regionais e o sistema de segurança global.
No Capítulo VIII do projeto de Carta apresentado à Conferência de São Francisco, estipulava-se que as ações das organizações regionais deveriam obedecer aos propósitos e princípios da ONU e que nenhuma entidade regional poderia realizar ações coercitivas sem autorização do Conselho de Segurança. Além disso, conforme a emenda acordada em Ialta, o Conselho de Segurança só poderia tomar medidas coercitivas com a concordância unânime dos membros permanentes.
Diante disso, durante a Conferência de São Francisco, muitos países — especialmente os da América Latina — concentraram seu foco na relação entre as ações coletivas de força das organizações regionais e o Conselho de Segurança da ONU.
Isso significava que, para que Estados de uma região pudessem realizar coletivamente medidas coercitivas, seria necessária a aprovação do Conselho de Segurança, e, caso qualquer membro permanente se opusesse, nenhuma medida coercitiva poderia ser aplicada de fato. Em particular, mesmo que Estados realizassem ações de auxílio mútuo com base em tratados de assistência recíproca contra determinado membro permanente ou contra um Estado apoiado por ele, tais ações jamais poderiam obter a aprovação do Conselho de Segurança.
Anthony Clark Arend & Robert J. Beck, International Law and the Use of Force: Beyond the UN Charter Paradigm, pp. 25-26, Routledge, Nova York, 1993.
Ian Brownlie, International Law and the Use of Force by States, pp. 235-237, Oxford University Press, 1983.
Wan Arshi, “Teoria e prática recente do direito à autodefesa no direito internacional”, p. 4, junho de 2003. 满安婷 “国际法上自卫权的理论与晚近实践” 第4页.2003年 6月
Na verdade, dois meses antes da realização da Conferência de São Francisco para a criação da ONU, foi adotado no início de 1945, no México, o Ato de Chapultepec. O acordo previa que, com o objetivo de manter no pós-guerra as relações cooperativas estabelecidas durante a Segunda Guerra Mundial, fosse assinado posteriormente um tratado segundo o qual qualquer agressão armada contra um dos países do continente americano seria considerada como um ataque contra todos os Estados membros do acordo, permitindo a adoção de medidas de defesa coletiva. Esse acordo contradizia claramente o projeto preliminar da Carta da ONU, que reconhecia apenas o uso da força autorizado pelo Conselho de Segurança.
Os países latino-americanos argumentaram fortemente que, caso fosse adotado o projeto de Carta que permitia apenas ao Conselho de Segurança tomar medidas coercitivas, o Ato de Chapultepec perderia sua validade, e portanto o sistema de organizações regionais das Américas não deveria ficar subordinado ao Conselho de Segurança. Essa reivindicação se apoiava no contexto da época, em que nenhuma resolução poderia ser de fato aprovada na conferência sem o apoio de 20 países latino-americanos.
Por outro lado, durante a Conferência de São Francisco, representantes de países como Austrália, Bélgica e Venezuela defenderam a limitação do direito de veto dos cinco membros permanentes no que dizia respeito a ações coletivas regionais. Vários países árabes, por sua vez, exigiram que os sistemas de defesa mútua regional fossem equiparados ao sistema de segurança coletiva estabelecido pela Carta da ONU.
Se as reivindicações dos países latino-americanos e de outros Estados relacionadas aos sistemas regionais de segurança fossem aceitas integralmente, isso poderia “prejudicar a autoridade do Conselho de Segurança” e enfraquecer o sistema global de segurança estabelecido pela ONU. Diante dessa preocupação, os membros permanentes do Conselho de Segurança apresentaram uma emenda ao projeto da Carta como forma de compromisso.
A emenda estipulava que, em caso de ataque armado contra um Estado membro, este teria o direito inerente de exercer autodefesa individual ou coletiva até que o Conselho de Segurança tomasse as medidas necessárias. O significado jurídico dessa emenda era que os membros permanentes do Conselho de Segurança não poderiam limitar, através do direito de veto, as ações coletivas regionais de autodefesa.
Essa emenda, produto do compromisso entre os países latino-americanos e os membros permanentes do Conselho de Segurança, foi aprovada no comitê especializado e posteriormente adotada como o Artigo 51 da Carta da ONU.
Assim, o Artigo 51 da Carta da ONU permitiu que os Estados vítimas de ataque armado exercessem, por um período limitado, o direito de autodefesa individual ou coletiva desde o início da agressão até que o Conselho de Segurança adotasse as medidas necessárias, evitando assim o colapso do sistema de segurança global da ONU. Ao permitir o exercício coletivo da autodefesa sem comprometer o sistema global, o Artigo 51 foi adotado com o objetivo de garantir que certas organizações ou países regionais não dependessem exclusivamente do Conselho de Segurança.
O direito de autodefesa, como princípio que permite ao Estado repelir pela força uma agressão e proteger seu povo e seu território, foi reconhecido durante longos períodos históricos pelo direito consuetudinário internacional. O Artigo 51 da Carta da ONU foi o primeiro instrumento jurídico internacional a confirmar esse direito, já amplamente reconhecido pelo direito internacional consuetudinário, como um princípio inerente do Estado.
2.1.2. O Artigo 51 da Carta da ONU e sua relação com o direito consuetudinário internacional sobre a autodefesa
Entre 21 de fevereiro e 8 de março de 1945, realizou-se em Chapultepec, no México, a Conferência Interamericana sobre Problemas de Guerra e Paz, que culminou na assinatura do Ato de Chapultepec em 8 de março.
Stanimir A. Alexandrov, Self-Defense Against the Use of Force in International Law, p. 93, Haia: Kluwer Law International, 1998.
Na verdade, antes da Primeira Guerra Mundial a guerra era considerada legítima, e o recurso à força como método de solução de disputas não era proibido; por isso, salvo o princípio da não abusividade, não havia grandes limitações ao exercício da autodefesa. Qualquer Estado podia empregar a força ativamente para realizar seus interesses e justificar tal comportamento como exercício de autodefesa.
A partir daí, no campo jurídico internacional surgiu como questão central saber de que forma, após a adoção da Carta da ONU, o Artigo 51 regulou o direito de autodefesa do direito internacional consuetudinário: se o restringiu ou não, e de que maneira. Esse tema tornou-se um dos principais objetos de debate na doutrina do direito internacional.
O Artigo 51 da Carta da ONU dispõe o seguinte: “Nenhuma disposição da presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacionais. As medidas tomadas por Membros no exercício desse direito de legítima defesa deverão ser comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança, e não deverão, de modo algum, afetar a autoridade e a responsabilidade do Conselho, nos termos da presente Carta, para tomar, a qualquer tempo, as medidas que julgar necessárias para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.”
Como se vê, o Artigo 51 reconhece a autodefesa como um direito inerente do Estado, mas estabelece certas condições que limitam seu exercício. Essas condições estão refletidas nas expressões: “no caso de ocorrer um ataque armado”, “até que o Conselho de Segurança tome as medidas necessárias”, “as medidas … deverão ser comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança” e “essas medidas não deverão afetar a autoridade e responsabilidade do Conselho”.
Apesar disso, alguns Estados e juristas sustentam que o Artigo 51 da Carta da ONU não restringiu o direito consuetudinário de autodefesa, nem exerceu qualquer influência sobre ele — posição essa que continuam a defender até hoje.
Os principais argumentos apresentados por eles são os seguintes: primeiro, o fato de o Artigo 51 regular a autodefesa contra ataques armados externos não significa excluir outras situações em que seria possível exercer a autodefesa. Além disso, ao caracterizar a autodefesa como “direito inerente” ou “direito natural” dos Membros da ONU, o Artigo 51 teria reconhecido, em sua totalidade, as normas consuetudinárias sobre autodefesa. Afirmam também que o Artigo 2(4) da Carta — que proíbe o uso da força contra a integridade territorial ou independência política dos Estados, ou de qualquer outra forma incompatível com os propósitos da ONU — não proíbe o uso da força pelo Estado para proteger a vida e a propriedade de seus nacionais.
Com base nesses argumentos, afirmaram, por exemplo, que o ataque aéreo de Israel ao reator nuclear do Iraque, em 1981, tinha como finalidade impedir a produção de armas nucleares iraquianas e garantir a segurança de longo prazo de Israel, e como não resultou em perda territorial ou prejuízo à independência política do Iraque, não violaria o Artigo 2(4), mas ao contrário estaria em conformidade com o Artigo 51.
Essa interpretação, porém, distorce completamente o Artigo 51 e constitui uma manobra destinada a legitimar violações de soberania.
O Artigo 51 da Carta da ONU é o único fundamento jurídico que permite ao Estado exercer a autodefesa e, fora desse fundamento não se pode exercer autodefesa sob outra forma.
Esse não é o mesmo tipo de guerra. Antes de tudo, o que o Artigo 2(4) da Carta da ONU proíbe é o uso agressivo da força, e não simplesmente aquilo que era proibido pelos pactos de não agressão.
A obrigação dos Estados — apresentada na Conferência de São Francisco — de não usar a força nem ameaçar com a força por métodos incompatíveis com os propósitos da ONU foi incorporada à Carta com o consentimento unânime de todos os países, e o princípio da proibição da guerra, existente desde antes, foi ampliado para incluir também a proibição do uso e da ameaça da força. Por isso, todas as formas de emprego da força sob o pretexto de proteger cidadãos nacionais no exterior, de prevenir ataques futuros, de realizar intervenções humanitárias e outros tipos de justificativas são proibidas pelo Artigo 2(4) da Carta da ONU.
A norma do Artigo 2(4), que proíbe o uso da força, admite apenas duas exceções: o exercício da autodefesa conforme o Artigo 51 e a adoção de medidas coletivas de segurança com base no Capítulo VII pelo Conselho de Segurança.
Assim, o Artigo 51 estabelece que a autodefesa só pode ser exercida quando ocorre um ataque armado de outro país, excluindo todas as demais possibilidades de uso legítimo da força.
Além disso, o Artigo 51 não incorporou integral e mecanicamente o direito consuetudinário relativo à autodefesa, mas, como visto acima, estabeleceu diversas condições restritivas, a fim de impedir que os Estados usem o pretexto da autodefesa para recorrer arbitrariamente ao emprego da força.
Do mesmo modo, as expressões “integridade territorial” e “independência política” que aparecem no Artigo 2(4) não podem ser interpretadas de forma restrita.
Originalmente, o projeto do Artigo 2(4) apresentado à Conferência de São Francisco dizia: “Os Membros desta organização não poderão, nas relações internacionais, ameaçar nem usar a força por qualquer método incompatível com os propósitos da organização.” Sobre isso, a Austrália e diversos outros países solicitaram que se acrescentasse a expressão “contra a integridade territorial e a independência política dos Estados”. Na verdade, essa proposta visava impedir que os países poderosos utilizassem a força para violar, ainda que minimamente, a integridade territorial e a independência política dos países mais fracos. Em atendimento a esse pedido, o Artigo 2(4) passou a proibir o uso da força que viole a integridade territorial ou a independência política, ou que seja incompatível com os propósitos da ONU.
Por isso, não é possível interpretar a expressão “integridade territorial e independência política” como se significasse apenas a ocupação territorial efetiva ou a perda total da soberania política devido ao controle de forças externas.
Os termos “integridade territorial” e “independência política” são usados, na imensa maioria dos casos, para designar a totalidade dos direitos jurídicos de um Estado, incluindo sua soberania territorial. Portanto, mesmo que não haja intenção de ocupar o território de outro Estado, qualquer ataque armado contra ele constitui violação de sua integridade territorial ou de sua independência política.
Se se considerasse que o Artigo 2(4) proíbe apenas o uso da força que resulte em ocupação territorial efetiva ou controle político direto, então a margem para o uso da força nas relações internacionais seria ilimitada, e os próprios propósitos da Carta da ONU seriam inviabilizados.
Conclui-se, portanto, pelo texto, pelo contexto e pelo processo de elaboração da Carta, que o Artigo 51 reconhece a autodefesa como direito inerente do Estado, mas não acolhe integralmente o direito consuetudinário prévio: ele o redefine e o limita claramente segundo os propósitos e princípios da ONU. Assim, nenhum Estado pode usar unilateralmente a força senão no exercício da autodefesa de acordo com o Artigo 51.
2.2. Os problemas do Artigo 51 da Carta da ONU
O conteúdo normativo do Artigo 51 pode ser dividido em quatro pontos principais.
Primeiro, a autodefesa é um direito exercido somente quando ocorre um ataque armado proveniente de outro país.
Segundo, o exercício da autodefesa dura desde o momento em que ocorre o ataque armado até que o Conselho de Segurança tome as medidas necessárias.
Terceiro, existem autodefesa individual e autodefesa coletiva.
Quarto, as medidas tomadas pelo Estado no exercício da autodefesa devem ser comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança.
Esse conteúdo normativo apresenta numerosos problemas interpretativos e cria dificuldades consideráveis quando se tenta aplicá-lo às situações reais de emprego da força.
2.2.1. Problemas relacionados ao significado de ataque armado
Segundo o Artigo 51, um Estado só pode exercer a autodefesa quando ocorre um ataque armado. Em outras palavras, para que o uso da força com finalidade defensiva seja legítimo, é indispensável que haja um ataque armado de outro Estado.
Portanto, a questão essencial é determinar que tipo de ato constitui o ataque armado que serve de condição para o exercício da autodefesa. Sem uma definição clara desse elemento, não se pode reconhecer como legítima a autodefesa alegada por qualquer Estado.
No entanto, tanto o direito consuetudinário internacional quanto a própria Carta da ONU não definem concretamente o que é um ataque armado. Fora o Artigo 51, a expressão sequer aparece na Carta.
Por isso, após a adoção da Carta, a comunidade internacional realizou vários esforços para definir jurídica e claramente o que constitui ataque armado. Esses esforços se ligaram à tentativa de definir também o conceito de agressão. Isso porque o antigo Artigo 10 do Pacto da Liga das Nações já tratava a agressão como condição para a autodefesa e porque o termo “agressão” do Artigo 39 da Carta da ONU é considerado intimamente relacionado ao termo “ataque armado” do Artigo 51. Muitos Estados e juristas chegaram até mesmo a tratar “agressão” e “ataque armado” como sinônimos.
Essas tentativas de definir a agressão começaram logo após a criação da ONU, mas só em 14 de dezembro de 1974 a Assembleia Geral conseguiu adotar uma definição de agressão.
A resolução estabelece que a agressão é o uso da força por um Estado contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política de outro Estado, ou de maneira incompatível com a Carta da ONU, e afirma que o Estado que primeiro usa a força comete um ato de agressão. Com base nisso, o Artigo 3 enumera formas específicas de agressão.
Atualmente, essa definição é considerada a norma mais autorizada para esclarecer o significado de “ataque armado” no Artigo 51.
No entanto, ataque armado e agressão não são conceitos totalmente idênticos. Embora todo ato de agressão envolva um ataque armado, não é correto tratar o ataque armado, enquanto condição para a autodefesa, como sinônimo perfeito de agressão.
A própria resolução explica que a agressão é “a forma mais grave e perigosa de uso ilegal da força”. Isso implica que há formas de ataque armado que, embora ilegais, não chegam ao nível de agressão.
Uma análise da Carta também mostra que agressão e ataque armado não são equivalentes: enquanto a agressão é tratada no âmbito da segurança coletiva — isto é, sob a competência do Conselho de Segurança —, a autodefesa pode ser exercida unilateralmente antes mesmo da autorização do Conselho.
Por isso, embora a agressão envolva ataque armado, nem todo ataque armado constitui agressão.
Surgiu, então, a necessidade de definir separadamente o conceito de ataque armado para fins do Artigo 51. Diversos Estados, organismos internacionais e juristas tentaram especificar seu conteúdo e suas formas de manifestação.
Ainda assim, não existe consenso internacional claro e amplamente aceito sobre o que constitui ataque armado como condição para o exercício da autodefesa. No entanto, prevalece em certa medida a ideia de que o ataque armado mencionado no Artigo 51 deve ser uma forma especialmente grave de uso da força.
A dificuldade de definir ataque armado está relacionada às profundas divergências entre os países quanto à natureza da autodefesa e às condições para seu exercício.
O ataque armado como condição da autodefesa está estreitamente ligado ao princípio da proibição do uso da força, bem como à escala, intensidade e circunstâncias concretas do emprego da força. Assim, só é possível definir corretamente o significado de ataque armado mediante uma análise integrada de todos esses fatores.
Visto dessa forma, o ataque armado ao qual o Artigo 51 se refere é uma ação militar direta e grave, realizada além-fronteiras por meios armados, com o propósito de violar a soberania e a independência política de outro Estado. Nesse conceito se incluem tanto a agressão quanto outras formas de uso ilegal da força que, embora não cheguem ao nível de agressão, constituam violação ativa da soberania territorial de outro país.
(Referência ao caso Nicarágua, CIJ, §§123-127, 1986.)
Aqui está a tradução, seguindo todas as suas preferências:
2.2.2. Questões relacionadas à interpretação que considera o direito de autodefesa como um direito dos Estados-membros da ONU
O Artigo 51 da Carta da ONU define o direito de autodefesa como um direito dos Estados-membros da ONU. Isso está expresso nas frases do artigo em que se diz que, “quando ocorrer um ataque armado contra um Estado-membro... as medidas tomadas pelo Estado-membro para exercer a autodefesa...”.
Com base nisso, alguns juristas internacionais interpretam o direito de autodefesa previsto no Artigo 51 da Carta da ONU como um direito exclusivo dos Estados-membros da ONU. Essa interpretação nega o caráter universal do direito de autodefesa no direito internacional e conduz a uma compreensão equivocada sobre esse direito.
Pelo fato de o Artigo 51 da Carta da ONU regular o direito de autodefesa como um direito dos Estados-membros da ONU, isso absolutamente não significa que o direito de autodefesa pertença somente aos Estados-membros da ONU.
A alegação de que o Artigo 51 da Carta da ONU regula o direito de autodefesa como um direito exclusivo dos Estados-membros é totalmente infundada quando analisada em relação a outros artigos correlatos da própria Carta da ONU, bem como a outros tratados e ao direito internacional consuetudinário.
O Artigo 2(6) da Carta da ONU estabelece que a ONU deve garantir que mesmo Estados que não são membros ajam de acordo com os princípios da ONU na medida necessária para manter a paz e a segurança internacionais. Essa é uma disposição que estende a observância dos princípios da ONU também aos Estados não-membros. Portanto, as obrigações internacionais relacionadas à manutenção da paz e da segurança, incluindo o direito de autodefesa, aplicam-se igualmente aos Estados não membros.
Por isso, o direito de autodefesa previsto no Artigo 51 da Carta da ONU deve ser interpretado como um direito que todos os Estados possuem e podem exercer, interpretação esta que é reconhecida, na prática, pela grande maioria dos juristas internacionais.
Uma série de tratados internacionais fora da Carta da ONU também regula o direito de autodefesa como um direito dos Estados partes nesses tratados. Como exemplos podem ser citados o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca de 1947 entre os países do continente americano, e o Tratado de Bruxelas de 1948, celebrado entre Bélgica, França, Luxemburgo, Países Baixos e Reino Unido sobre cooperação econômica, social, cultural e defesa coletiva.
Assim, quando Estados não membros da ONU aderem a tais tratados, o seu direito de autodefesa é igualmente reconhecido.
Entretanto, na verdade, o direito de autodefesa — enquanto direito de repelir um ataque armado estrangeiro — é um direito universal que todos os Estados exercem independentemente de sua adesão ou não a tratados internacionais. Esse direito já foi reconhecido pela sociedade internacional com base no direito internacional consuetudinário formado ao longo de um longo processo histórico das relações internacionais.
Desde o surgimento dos Estados, todos eles consideraram como obrigação natural proteger sua população e seu território por meio do uso da força, e combateram agressões externas com meios militares. No curso das prolongadas lutas dos amplos povos de todos os países contra a agressão, a guerra e a invasão militar, o direito de autodefesa veio a ser reconhecido como um direito inalienável de qualquer Estado.
Portanto, interpretar o direito de autodefesa como um direito exclusivo dos Estados-membros da ONU é infundado tanto à luz do direito internacional consuetudinário como em relação à Carta da ONU e outros tratados internacionais pertinentes.
2.2.3. Questões relacionadas ao direito de autodefesa coletivo
De acordo com o Artigo 51 da Carta da ONU, o direito de autodefesa possui dois grandes tipos: o direito de autodefesa individual e o direito de autodefesa coletivo.
O direito de autodefesa individual é o direito de um Estado repelir por meio de sua própria força militar um ataque armado de outro Estado. Historicamente, até a adoção do Artigo 51 da Carta da ONU, o conceito de autodefesa era limitado ao direito de autodefesa individual, e falar em autodefesa no direito internacional significava necessariamente autodefesa individual. O direito de autodefesa individual é um direito inerente que qualquer Estado possui desde sua formação e tem sido reconhecido durante longo tempo pelo direito internacional consuetudinário. Esse direito é reconhecido ainda hoje como um direito inerente de um Estado soberano, mesmo na época atual em que as normas dos tratados internacionais estão altamente desenvolvidas.
O direito de autodefesa individual é o mais essencial e ativo entre os direitos de autodefesa de um Estado, pois busca proteger sua integridade territorial e independência política. Como tem sido amplamente reconhecido pela sociedade internacional ao longo da história, não constitui grande fonte de controvérsia.
O direito de autodefesa coletivo é o direito de que, quando um ataque armado é cometido contra determinado Estado, dois ou mais Estados relacionados a ele possam, conjuntamente, repelir esse ataque armado. Esse direito foi definido pela primeira vez no Artigo 51 da Carta da ONU.
Com relação ao direito de autodefesa coletivo do Artigo 51, surge a questão da relação entre esse direito e os acordos regionais previstos no Capítulo VIII da Carta da ONU. O problema reside no fato de o Artigo 51 permitir a adoção de medidas coletivas de coerção mesmo sem autorização ou consentimento do Conselho de Segurança, enquanto o Capítulo VIII exige autorização do Conselho de Segurança para que medidas coercitivas regionais coletivas possam ser tomadas.
Mas o direito de autodefesa coletiva previsto no Artigo 51 e o direito de adotar medidas coercitivas regionais com base no Capítulo VIII têm significados completamente distintos.
As medidas coercitivas regionais baseadas em acordos ou organizações regionais mencionadas no Capítulo VIII pertencem, em sua essência, ao sistema de segurança coletiva da ONU, sendo parte integrante da estrutura das Nações Unidas e atuando funcionalmente para manter ou restaurar a paz e a segurança em determinada região. Entretanto, o direito de autodefesa coletiva previsto no Artigo 51 pertence ao sistema de segurança fora da ONU, funcionando apenas como uma medida temporária de proteção dos Estados antes que o sistema de segurança coletiva da ONU entre em operação efetiva.
Portanto, interpretar o direito de autodefesa coletiva do Artigo 51 e as medidas regionais coercitivas do Capítulo VIII como conceitos contraditórios não é juridicamente correto.
Com a previsão do direito de autodefesa coletiva no Artigo 51, os Estados-membros da ONU passaram a poder concluir tratados bilaterais ou multilaterais de assistência recíproca fora da estrutura da ONU, assumindo a obrigação de prestar auxílio mútuo quando qualquer parte seja alvo de ataque armado.
2.2.4. Questões relacionadas ao período de exercício do direito de autodefesa
De acordo com o Artigo 51 da Carta da ONU, o exercício do direito de autodefesa começa quando ocorre um ataque armado por outro Estado. Isso significa que o direito de autodefesa só pode ser exercido quando o ataque armado tiver realmente começado ou estiver em curso — isto é, quando bombardeios, ataques aéreos ou a entrada de forças regulares estrangeiras no território, mar territorial ou espaço aéreo do Estado já tiverem se iniciado de fato.
O Artigo 51 estabelece também que o direito de autodefesa pode ser exercido desde que ocorra o ataque armado até que o Conselho de Segurança tome as medidas necessárias.
Daí surge a questão: se o ataque armado ainda não começou, mas a possibilidade de ataque é extrema ou iminente, seria impossível exercer o direito de autodefesa?
É claro que, conforme o Artigo 51, uma autodefesa preventiva baseada apenas na previsão de um possível ataque no futuro não é permitida. Mas, se mesmo diante de uma ameaça iminente e extrema não fosse permitido exercer o direito de autodefesa, então seria impossível impedir a agressão estrangeira, e o Estado não poderia salvaguardar sua soberania e seus interesses vitais.
Mesmo quando forças estrangeiras ainda não tenham invadido fisicamente o território, se o risco de ataque atingir um nível extremo e não puder mais ser evitado ou dissuadido, o Estado não pode deixar de exercer seu direito de autodefesa para suprimir previamente o ataque armado iminente.
Em face da natureza da guerra moderna — caracterizada por velocidade, poder destrutivo e capacidades tecnológicas além de qualquer precedência histórica — essa questão torna-se extremamente relevante. Em particular, na sociedade internacional contemporânea onde existem armas nucleares, os danos causados por um ataque nuclear são incalculavelmente catastróficos. Se um Estado nuclear lança um ataque e o Estado vítima tenta exercer seu direito de autodefesa somente depois de sofrer esse ataque, tal resposta não tem qualquer significado: um Estado arrasado por um ataque nuclear perde sua capacidade de contra-ataque e não pode exercer autodefesa de modo efetivo.
Assim, muitos juristas e diversos Estados afirmam que o direito de autodefesa pode ser exercido não apenas após sofrer um ataque, mas também quando o risco de ataque armado atinge um nível extremo e iminente.
“Risco iminente” significa que a ameaça de ataque armado é explícita, direta e que alcançou um ponto em que já não é possível aceitá-la ou contê-la. Ameaças derivadas apenas de retórica belicista, movimentações militares, planos de guerra ou posicionamento de mísseis podem suscitar preocupações quanto à segurança, mas não configuram, por si só, um ataque armado iminente conforme esse conceito.
O Artigo 51 estabelece que o direito de autodefesa deve cessar quando o Conselho de Segurança tomar as medidas necessárias.
Isso significa que, quando o Conselho de Segurança determina que um ataque armado constitui ameaça à paz e toma medidas necessárias contra o agressor, o Estado vítima deve interromper o exercício da autodefesa. Se o Estado vítima deve encerrar ou manter seu exercício de autodefesa depende da decisão do Conselho de Segurança.
A questão que surge é: o que exatamente são essas “medidas necessárias” do Conselho de Segurança?
Pelo Capítulo VII da Carta, o Conselho de Segurança pode determinar a existência de ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, recomendar sua cessação e adotar medidas provisórias, não militares ou militares, para impedir a deterioração da situação.
Entretanto, se medidas como resoluções exigindo que o agressor cesse o ataque, ou a adoção de medidas provisórias e não militares, forem incluídas no conceito de “medidas necessárias” para determinar a cessação da autodefesa, surgem problemas práticos quanto ao exercício desse direito.
Por exemplo, se o Estado vítima interrompe a autodefesa ao reconhecer essas medidas, mas o agressor não interrompe o ataque armado, a soberania do Estado vítima seria violada. Isso demonstra que a regra de que a autodefesa só pode ser exercida até que o Conselho de Segurança tome medidas necessárias não condiz com a prática internacional.
Portanto, se as medidas tomadas pelo Conselho de Segurança não forem suficientes para repelir completamente o ataque armado, tais medidas não podem ser consideradas suficientes para exigir a cessação do exercício do direito de autodefesa. O Estado vítima deve poder exercer a autodefesa de forma contínua, paralelamente às medidas da ONU, até repelir integralmente o ataque armado.
2.2.5. Questões relacionadas à obrigação de notificação ao Conselho de Segurança da ONU
O Artigo 51 da Carta estabelece que um Estado que exerça o direito de autodefesa deve notificar sem demora o Conselho de Segurança da ONU das medidas tomadas. Essa norma concede ao Conselho de Segurança a autoridade para avaliar a legalidade das medidas de autodefesa. Surge então a questão de saber se somente o Conselho de Segurança tem competência para essa avaliação.
Nos termos da Carta da ONU, o Conselho de Segurança é o órgão que tem a principal responsabilidade pela manutenção da paz e segurança internacionais. As questões relacionadas à missão fundamental da ONU — ameaça à paz, ruptura da paz e atos de agressão — podem ser decididas apenas pelo Conselho de Segurança, formado por um pequeno número de Estados e dotado, em especial, do privilégio do veto pelos seus membros permanentes. Trata-se de uma disposição irracional que emana da própria Carta, ao reconhecer tal posição privilegiada.
Na realidade, os problemas relacionados à manutenção da paz e da segurança internacionais dizem respeito não aos interesses de alguns Estados específicos, mas às exigências comuns de todos os países e regiões. Portanto, as questões a serem tratadas pela ONU — incluindo o uso da força — deveriam ser decididas não por um órgão composto por alguns Estados, mas pela Assembleia Geral da ONU, que pode refletir adequadamente a vontade de todos os Estados-membros, garantindo decisões justas e execução completa em conformidade com as necessidades universais da sociedade internacional.
Além disso, o exercício do direito de autodefesa pode ser impedido caso apenas um dos membros permanentes do Conselho de Segurança exerça poder de veto contra a análise das ações tomadas pelo Estado vítima.
Por isso, considera-se correto que o direito de receber notificações e o direito de avaliar a legalidade do exercício da autodefesa, conforme o Artigo 51 da Carta, sejam atribuídos também à Assembleia Geral da ONU. No entanto, reconhecendo que não é possível reformar de uma vez a estrutura atual da ONU, a avaliação da legalidade do exercício da autodefesa deve ser considerada como uma competência tanto do Conselho de Segurança como da Assembleia Geral.
Se apenas o Conselho de Segurança tiver a autoridade de avaliação, isso resultará em decisões que não refletem as necessidades gerais da sociedade internacional e permitirá abusos baseados na discricionariedade de um pequeno número de Estados, especialmente os cinco membros permanentes.
3. Conclusão
O Artigo 51 da Carta da ONU é uma norma do direito internacional que legaliza o direito de autodefesa. No entanto, devido ao fato de seu conteúdo normativo não estar juridicamente completo, surgem diversas interpretações anormais quando se aplica esse artigo às relações internacionais envolvendo o uso da força. Em particular, alguns países recorrem sem hesitação a atos de agressão militar contra outros Estados e tentam justificá-los — de forma totalmente infundada — como exercício do direito de autodefesa com base no Artigo 51 da Carta da ONU. Como resultado, princípios importantes da Carta da ONU, como igualdade soberana e não ingerência em assuntos internos, não têm sido implementados corretamente nas relações internacionais reais.
O Artigo 51, como exceção ao Artigo 2(4) da Carta — que proíbe o uso da força —, ocupa posição inegociável na atual estrutura da ONU, cujo objetivo é a manutenção da paz e da segurança internacionais. Portanto, alcançar um entendimento comum dentro da sociedade internacional sobre a interpretação e aplicação do Artigo 51 constitui uma questão essencial para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

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