quinta-feira, 12 de novembro de 2020

As políticas de reunificação da Coreia

Como é de conhecimento público, a Coreia segue dividida depois de mais de sete décadas desde sua separação artificial por forças estrangeiras. E no transcurso destas décadas, foram adotadas diferentes políticas em relação à reunificação nacional, condizentes com as circunstâncias de cada período.

Desde a ocupação militar dos EUA sobre o sul da Coreia em setembro de 1945 até os dias atuais, o governo nortenho mantém como política prioritária a reunificação da pátria e vem fazendo esforços constantes para realizar esta causa histórica.

Por outro lado, o governo sulista nem sempre tomou a reunificação nacional como política prioritária e em vários períodos considerou a reunificação como objetivo a ser alcançado por meio da guerra, sem planejamento adequado para o estabelecimento de um Estado reunificado condizente às demandas da população de toda a península.

Neste artigo serão deslindadas as políticas da reunificação adotadas pela República Popular Democrática da Coreia e pela República da Coreia, explicitando as mudanças que se deram em decorrência de vários fatores.

Reunificação pacífica através da "Teoria da Base Democrática"

Desde o período da luta armada antijaponesa (1930-1945) até a libertação da Coreia (15 de agosto de 1945), o princípio de construção de um Estado independente na Coreia mantido pelas principais forças políticas independentistas era o de estabelecer um Estado democrático, onde as amplas massas do povo coreano pudessem ser genuínas donas do país.

À frente deste planejamento estava o General Kim Il Sung, líder da revolução coreana e Comandante Supremo do Exército Revolucionário Popular da Coreia, que gozava de ampla popularidade entre as massas populares.

Imediatamente após a libertação, foram tomadas as medidas para a construção do Estado democrático, com estabelecimento de comitês populares em toda a extensão da Península Coreana, reorganização de partidos e organizações sociais, dentre outras medidas que permitiam a participação popular e a formação de uma base governamental capaz de administrar todo o país.

Contudo, já em setembro de 1945 as tropas estadunidenses invadiram o sul da Coreia e estabeleceram um rígido sistema de governança através de decretos do Governante em chefe das forças armadas dos EUA no Pacífico, Douglas MacArthur, fechando todos os comitês populares e organizações político-sociais democráticas e ressuscitando os velhos órgãos de dominação colonial dos japoneses em conluio com latifundiários coreanos pró-japoneses.

Em vista disso, houve já nos primeiros dias da nova Coreia as discussões sobre a questão da reunificação que a princípio não tinha um planejamento fixo. Entretanto, depois da Conferência dos Ministros das Relações Exteriores de Moscou no fim de 1945, onde EUA e URSS debateram sobre a questão coreana, se logrou um consenso mais sólido sobre promover a revolução democrática no norte, estimulando a população sul-coreana a apoiar o regime nortenho, e unir as forças democráticas de toda a Coreia para alcançar a reunificação por via pacífica.

O Comitê Popular Provisório da Coreia do Norte, sob a supervisão da União Soviética, promoveu reformas democráticas como a reforma agrária, a lei do trabalho, a lei de igualdade de direitos do homem e da mulher, dentre outras, que apresentaram um evidente contraste em relação ao sul onde as massas viviam sob a opressão das forças estrangeiras como no passado e sofria com a escassez de tudo.

Ademais, em abril de 1948, foi realizada a história Conferência dos partidos políticos e organizações sociais do sul e do norte da Coreia em Pyongyang que contou com ampla participação de figuras de grande relevância no país, com exceção da camarilha de Syngman Rhee, títere dos imperialistas estadunidenses e japoneses, e de Kim Song Du, senhorio e comprador capitalista. Este evento representou um grande triunfo para a política de reunificação de Kim Il Sung e causou grande incômodo nas forças títeres sul-coreanas e nos imperialistas estadunidenses que intensificaram a repressão e os preparativos de guerra.

Naquele momento pós-Segunda Guerra Mundial e de Guerra Fria, a Coreia foi palco do confronto entre as superpotências. Porém, eram completamente distintas as propostas de cada parte.

Os EUA, de forma astuta e arrogante, defendia que o povo coreano só poderia administrar seu próprio Estado após cerca de cinco décadas de "administração", enquanto a URSS defendia que em apenas alguns anos a Coreia seria capaz de formar um Estado unificado e independente.

Em vista disso, trabalhando ao lado dos coreanos, os soviéticos auxiliaram no desenvolvimento da Coreia até 1948, quando foi formada a República Popular Democrática da Coreia, e deixaram nas mãos do povo coreano o novo Estado democrático a ser gerido por eles mesmos.

Por outro lado, os EUA recusou as propostas da URSS e a demanda do povo coreano para que deixasse o território sul-coreano e permitisse que os próprios coreanos gerissem o Estado unificado de toda a Coreia.

O objetivo dos imperialistas estadunidenses era preparar as forças sul-coreanas para empreender a guerra e tomar o norte, tomando controle sobre todo aquele território e "contendo" a expansão do comunismo pela Ásia.

A camarilha de Syngman Rhee, que fundou a "República da Coreia" em 14 de agosto de 1945 para legitimar o Estado fantoche, declarava abertamente a intenção de empreender a "expedição ao norte" e tomar de uma só vez o território nortenho.

Contudo, Kim Il Sung, agora Primeiro-Ministro da República Popular Democrática da Coreia, manteve a política de reunificação pacífica até onde foi possível, ao mesmo tempo em que preparava as forças armadas regulares para autodefesa frente aos constantes incidentes de invasão das forças fantoches sul-coreanas.

Na ocasião da fundação do Exército Popular, Kim Il Sung declarou:

"Além disso, criamos o Exército Popular para defender a base democrática da Coreia do Norte e os frutos das reformas democráticas - o trabalho de base para o estabelecimento de uma República Popular Democrática unificada - da invasão do inimigo e para garantir a segurança e a felicidade do povo na Coreia do Norte."

Apesar do amplo esforço da população do sul e do norte e do engajamento da grande maioria das figuras dos círculos político e social, a reunificação pacífica não pôde ser lograda devido aos movimentos astutos das forças reacionárias e das forças de dominação estadunidenses.

Sendo assim, a Reunificação Pacífico com base na Teoria da Base Democrática deu lugar à Reunificação por Meio das Armas com base na Teoria da Base Democrática.

Reunificação por Meio das Armas com base na Teoria da Base Democrática (década de 1950)

Essa via de reunificação compreende ao período da Guerra de Libertação da Pátria quando após as forças fantoches sul-coreanas provocarem a guerra, o Exército Popular empreendeu uma ofensiva geral ao território sul-coreano, libertando várias regiões em curto espaço de tempo e restabelecendo os comitês populares e organizações sociais.

Nesse momento se compreendida que, frente à agressão da camarilha de Syngman Rhee sob instigação dos imperialistas estadunidenses, a única maneira de se alcançar a reunificação seria por meio das armas.

Kim Il Sung chamou todo o povo coreano à luta contra os agressores imperialistas e seus lacaios e na guerra de três anos logrou grande êxito ao repelir o inimigo formidável que se vangloriava de ser "invencível". 

Em seu histórico discurso por rádio "Todas as forças para a vitória na guerra" dirigido a todos os coreanos em 26 de junho de 1950, o General Kim Il Sung assinalou:

"Nosso Exército Popular deve exibir valentia e abnegação na justa luta para defender as conquistas das reformas democráticas na parte norte da República, libertar os compatriotas da parte sul do domínio reacionário e reunificar pátria sob a bandeira da República Popular."

Todavia, a reunificação da Coreia não foi lograda através das armas.

Mesmo após a assinatura do Armistício, a camarilha de Syngman Rhee seguiu instigando a guerra contra o norte, solicitando ajuda dos EUA para lograr o objetivo. Notável foi o discurso de Syngman Rhee ante ao Congresso dos EUA em junho de 1954 em que solicitou abertamente o apoio estadunidense para o prosseguimento da guerra, dizendo impropérios sobre China e URSS e salientando a necessidade do combate ao comunismo naquela região asiática, o que causou repercussão negativa entre o círculo político e social estadunidense.

Todavia, se os EUA não aceitou a proposta de Rhee de retomar prontamente a guerra, promoveu uma campanha de intimidação e demonização da Coreia do Norte. A chamada "doutrina de Eisenhower" anunciada em 1957, sobretudo, foi um marco da política de guerra com a intensificação dos exercícios de guerra e o uso de termos como "libertação da Coreia do Norte" e "expedição ao norte".

Os EUA declarava a possibilidade de uma "guerra iminente", o que agradava os belicistas sul-coreanos que consideravam o exército sul-coreano como "poderosa força anticomunista da Ásia", mas não teve a audácia de empreender uma ofensiva ao note. A política estadunidense era, e segue assim até os dias atuais, de estabelecer suas bases militares perpetuamente no território sul-coreano e obter grandiosas somas com a venda de armas ao governo fantoche sul-coreano.

Além de utilizar a Coreia do Sul como ponto estratégico, os EUA a utiliza como mercado fértil para a indústria armamentista e por isso promove constantemente o clima hostil na Península Coreana, impedindo a reunificação independente e pacífica da Coreia. Com ou sem guerra, desde a década de 1950 até os dias atuais, os EUA obtém lucros exorbitantes com tensão na Coreia.

Em vista disso, a RPDC manteve durante toda a década de 1950 a política de reunificação por meio das armas, tendo em vista a impossibilidade de diálogo com inimigos declarados da nação coreana e manteve-se em alerta frente aos movimentos belicistas das forças hostis enquanto promovia uma grandiosa reconstrução do pós-guerra.

Federação Norte-Sul e Federação de Koryo (1960-1970)

Com a queda de Syngman Rhee em 1960 e a possibilidade da realização das primeiras eleições democráticas na Coreia do Sul, a política nortenha em relação à reunificação começava a se flexibilizar em direção ao diálogo para a reunificação pacífica.

Contudo, pouco depois o golpe militar promovido pela camarilha do General Pak Jong Hui, tornou novamente complexa a situação de diálogo intercoreano, já que novamente a Coreia do Sul era comandada por um ditador pró-EUA que no passado até mesmo serviu ao exército imperial japonês.

Contudo, o anticomunista Pak se mostrou menos inflexível que Rhee e apresentou a proposta de reunificação através de "pressão sobre o Norte". A ideia era de promover o anticomunismo na sociedade sul-coreana, mantendo severa repressão aos movimentos democráticos, e realizar exercícios de guerra visando alcançar um diálogo com o Norte.

É evidente que a RPDC rejeitava tal política absurda e arrogante do governo sul-coreano, porém, o Presidente Kim Il Sung, com sua grande perspicácia, apresentou a primeira proposta de reunificação com base na grande união da nação, onde ambos governos coexistiriam garantindo sua independência, formando a "Federação de Koryo", durante discurso pelo 15º aniversário da libertação da Coreia.

O governo sul-coreano recebeu positivamente a proposta do norte e enviou Lee Hu Rak, diretor do serviço de inteligência da Coreia do Sul à Pyongyang para conversações com o líder norte-coreano em 1972.

O Presidente apresentou os "Três Princípios da Reunificação Nacional", baseado na independência e na unidade nacional, que aparentemente agradou Lee e, pouco depois, uma delegação liderada pelo vice-Primeiro-Ministro,  Pak Sung Chul, se reuniu com o ditador sul-coreano em Seul. Em consequência, foi lograda a primeira declaração norte-sul. 

O Presidente assinalou: "Os três princípios, de realizar a reunificação independente sem interferências externas, alcançar uma grande unidade nacional ao transcender as diferenças de ideias, ideais e sistemas e reunificar a terra dividida por meios pacíficos sem recorrer à força armada são o ponto de partida e a base da solução da nossa questão de reunificação "

Todavia, o governo sul-coreano traiu a confiança dos compatriotas do norte, intensificando os movimentos de guerra e descumprindo sua promessa de reduzir as tensões e expandir o diálogo para um entendimento entre as partes.

Plano de formação da República Federal Democrática de Koryo  (década de 1980)

Com a queda de Pak Jong Hui e a possibilidade da democratização da Coreia do Sul, a política de reunificação da RPDC foi reformulada, acrescentando pré-requisitos para a formação de um Estado unificado que respeite a independência de cada governo.

Um dos principais requisitos era a retirada das tropas estadunidenses da Coreia do Sul e a democratização da sociedade sul-coreana, incluindo a abolição da "Lei de Segurança Nacional" e a garantia da liberdade de atividades de todos os partidos políticos.

Contudo, com a chegada ao poder de Jun Du Hwan e de seu sucessor Ro Tae U, o plano nunca saiu do papel e prevaleceu o clima de enfrentamento entre as partes, em meio à luta do povo sul-coreano pela democratização da sociedade e à brutal repressão dos governos militaristas anti-reunificação.

Federação baseada em "2 governos, 2 sistemas, 1 país e uma nação" (anos 90).

Com a chegada de Kim Yong Sam ao poder, as perspectivas de diálogo se abriram novamente. O ponto de viragem se deu quando o presidente sul-coreano afirmou em seu primeiro discurso que se encontraria com o Presidente Kim Il Sung em qualquer lugar e momento para restabelecer o diálogo entre as partes.

Neste momento o Presidente Kim Il Sung, em seu último período da vida, apresentou a proposta de reunificação com a manutenção dos dois sistemas, com a formação da República Federal de Koyo em que ambos governos coexistiriam através de um parlamento comum para debater questões de toda a nação, mantendo a independência de cada parte desde que não se ferisse os princípios básicos da grande unidade de toda a nação.

Contudo, instigado pelos EUA, o mandatário sul-coreano passou a adotar o discurso de que só conversaria se o norte "apresentasse as armas nucleares", que até então não haviam sido desenvolvidas, embora já fossem estudadas.

Federação de nível inferior e 3 cartas para a reunificação nacional (anos 2000)

Foi o grande marco das relações intercoreanas, quando o Dirigente Kim Jong Il e o Presidente Kim Dae Jung assinaram a declaração conjunta de 15 de junho, promovendo o diálogo, o entendimento e a cooperação entre as partes.

Se caracteriza por uma maior flexibilização: A Federação agora seria mais permissiva sobre as amplas atividades independentes de cada parte, que se uniria em um só parlamento com representantes em igual número para promover os interesses de toda a nação.

As três cartas para a reunificação são um compilado adaptado das propostas do Presidente Kim Il Sung para a reunificação: Os  Três Princípios da Reunificação da Pátria, o Projeto da Fundação da República Federal Democrática de Koryo e o Programa de Dez Pontos da Grande Unidade de Toda a Nação.

Vale destacar que, segundo esta proposta, os sistemas políticos e instituições do Norte e do Sul, que teriam garantida a independência em suas atividades, seriam parte de um processo de transição até a formação do governo unificado onde, a princípio, os dois sistemas coexistiriam. Na etapa provisória os governos do sul e do norte seriam "federações de nível inferior". Ao final seria formada a República Democrática de Koryo.

O governo sul-coreano aceitou positivamente a proposta do governo norte-coreano e gradativamente promoveu a cooperação e o diálogo até o governo de Ro Mu Hyon, porém, com a intervenção estadunidense, o processo de avanço sempre foi dificultado, com a pressão do governo estadunidense sobre a "questão nuclear" do norte e foi interrompido de vez nos seguintes governos conservadores.

O diálogo intercoreano foi retomado durante a administração de Moon Jae In, sob os mesmos termos das anteriores declarações norte-sul, agora com o Máximo Dirigente Kim Jong Un tomando as medidas de boa fé em prol da reunificação, incluindo a questão nuclear com base em vários requisitos. Porém, com atos de traição do governo sul-coreano, as relações norte-sul foram novamente congeladas.

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